sábado, 21 de maio de 2011

SEMPRE ESTIVE AO SEU LADO

(A despedida de um Golden Retriever)

Carta escrita por Érico, com as palavras que ele escutaria se seu amigo Kokie se ele falasse.
Caro amigo Érico
Se eu soubesse escrever teria deixado uma carta para você. Uma carta que poderia ter sido entregue quando você ficou agachado ao meu lado, passando a mão pela minha cabeça e olhando para meus olhos sem dizer nenhuma palavra.
Naquele momento eu entendi, olhando nos seus olhos, que você estava morrendo de pena de mim. Pena porque você achava que eu estava sentindo muitas dores e porque nós dois sabíamos que estávamos prestes a uma separação definitiva. Então, na força dos nossos olhares eu passei tudo isso que você escreveu.
Amigo, confesso a você que nos dias que antecederam a minha viagem para outros campos, eu fiz uma reconstituição dos dez anos que vivemos juntos. Comecei pelo dia em que você foi me escolher, lá onde eu estava com o resto dos meus irmãos. Logo de cara eu simpatizei com você. Pelo meu instinto, achei que você era o tipo de pessoa que podia confiar. Comecei a fazer um monte de traquinagens. Passei por cima dos meus irmãos, pulei no sofá onde você estava sentado e subi no seu colo. Lembro-me de você dizendo: pronto, ele me escolheu! E aí já saímos juntos. Fui em seu carro no colo da Virginia sua mulher.
Chegamos à casa que você morava e então você me apresentou uma coisa redonda e gostosa de morder e que foi a minha paixão número um para o resto da vida e você chamava-a de bola. Naquele dia mesmo você me deu um nome. No inicio eu confesso que não gostei dele, depois fui me acostumando e você foi também explicando para os outros e, acabei gostando.
Quando eu achei que aquela casa seria minha, vi você e Virginia arrumando as malas e aí viajamos. Viemos morar numa casa na fazenda. Nossa! Quando eu vi aquela imensidão toda pensei: vou viver correndo e mergulhando naquela represa.
Puro engano o meu. Você não deixava, ficava com medo de uma cobra me morder. Mas, assim mesmo eu fugi algumas vezes e aproveitei. E nunca vi nenhuma cobra.
Eu tinha a varanda, a piscina e o jardim da casa só para mim. Quando fazia calor eu entrava na piscina e me refrescava. Você fez degraus para que eu entrasse e pudesse sair dela. Eu adorava nadar, não podia ver ninguém dentro que eu queria entrar. Algumas vezes tomamos banhos juntos.
Eu dormia na varanda, você mandou fazer uma casa para mim, mas eu preferia ficar deitado na cerâmica fria. Dali eu avistava o portão de entrada da fazenda e avisava quando alguém chegava. Adorava pegar o vento que vinha de todos os lados, o que tornava a varanda o lugar mais ventilado da casa.
Em noites de lua cheia, quando o céu ficava bordado de estrelas, uma claridade dourada iluminava a fazenda. A lua parecia jogar sua luz nas águas da represa transformando-a num grande espelho. Nas noites assim era certo você sentar na varanda e ficar em silêncio olhando. Algumas vezes você falou que na luz do luar eu ficava mais dourado.
Naquela varanda vi você rindo e, muitas vezes vi lágrimas em seu rosto. Vi você chorando me chamar e ficar fazendo carinho em mim. Vi você soluçar de dor sem saber o que estava acontecendo. Vi você perder noites de sono e ficar caminhando sozinho na varanda. Vi você escutar seus discos do Sinatra e outros com cantores italianos. Vi você escrevendo e vi seu rosto se alegrar quando eu subia no seu colo ao trazer uma bola de tênis toda babada. Puxa! Eu adorava quando você jogava uma bolinha de tênis para mim. Gostava quando você me dava água de coco e também quando me fazia correr atrás da água da mangueira de molhar as plantas.
Ali ao seu lado, eu gostava de ficar na churrasqueira, principalmente em dias de um bom churrasco. Eu ficava por ali zanzando no meio das pessoas e todas me davam bons pedaços de carne.
Um belo dia você voltou de viagem e trouxe Liza. Ela era linda e eu logo me apaixonei por ela. Formamos uma família e nasceu a nossa única filha, a Mel.
Algum tempo depois umas pessoas fizeram uma obra na varanda. Fecharam de vidro. Eu, Liza e Mel passamos a viver mais no jardim e na churrasqueira. Por causa dos meus banhos na piscina fiquei com otite. Você mandou cercar a piscina. Banhos agora só de mangueira.
A idade chegou, dez anos passaram ligeiros e os janeiros começaram a pesar. E começaram a pesar para nós três, eu, você e Virginia. Um dia você veio falar comigo e eu notei sua tristeza. Você fez um carinho na minha cabeça e não falou nada. Aí sumiu e fiquei sabendo que você estava no Rio de Janeiro, levou Virginia para uma cirurgia e foi fazer alguns exames. Voltou meses depois, já mais alegre, mas não como era antes. Alguma coisa tinha mudado em você.
O mês de novembro chegou e apareceu uma verruga embaixo do meu pescoço. Vi a sua cara de preocupação com as coisas que a veterinária falava para você. Tomei todas aquelas injeções que ela receitou depois de tirar a verruga. Vi sua cara de tristeza quando você chegava perto de mim. Comecei a ficar muito magro. Perdi a vontade de comer. Só queria ficar deitado.
O mês de dezembro que sempre foi um mês alegre por causa do seu aniversário e dos preparativos para o Natal, dessa vez foi o mês mais triste para você. Eu não queria que isso fosse motivo de tristeza para você. Afinal de contas você não imagina o quanto eu fui feliz ao seu lado. Pense nos momentos de alegria que passamos juntos. Afinal, eu fui seu filho e de Virginia por dez anos. Nos momentos em que vocês sentiam saudades dos filhos que estavam longe, era comigo que vocês trocavam carinhos e por instantes a saudade partia.
Amigo deixo umas bolinhas de tênis mastigadas para o próximo amigo que você terá. Espero que ele seja parecido comigo. Que ele seja meigo e carinhoso como eu fui com você. Que não pegue os passarinhos e nem ligue para os sapos. Que goste de pão como eu gostei. Que trate bem a Liza e a Mel.
Érico me desculpe ter dormido para sempre num dia antes do seu aniversário. Não era mais possível adiar o seu sofrimento. Gostaria que você soubesse que eu sempre estive ao seu lado e quando nos dias de lua cheia você estiver na varanda, basta ficar em silêncio e fechar os olhos, assim você vai escutar um latido e me sentir por perto.
Do eterno amigo Kookie.



Nem preciso dizer que chorei né? Eu que sou louca por cachorro (tenho 10), não me imagino sem nenhum deles. Annita, Garibaldi, Capitu, Bento, Louis, Channel, Zeus, Hera, Aurora e Riacho eu amo vocês <3

By Giovanna Stahlhöfer

Um comentário:

  1. Parabéns pelo blog. Agradeço a publicação da carta do meu amigo Kokie. Abraços. Érico Cavalcanti

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